Mapa do Mundo feito por Abraham Ortelius

E os Brasileiros, quando foi que “descobriram” a Bélgica?

O mapa do Brasil só ganhou “vida oficial” na segunda metade do século XVI, através do trabalho conjunto do matemático Gerardus Mercator (Rupelmonde / Bélgica, 1512 – Duisbourg /Alemanha, 1594) e do cartógrafo Abraham Ortelius (Antuérpia, 1527 – 1598).

Mas antes disso, diversos animais tipicamente brasileiros já eram vendidos em feiras e muitas mercadorias brasileiras, do pau-brasil ao açúcar – agora mais abundante e barato – entraram no consumo corrente, enquanto se experimentava, em cachimbos, as primeiras pitadas do tabaco brasileiro.

Criavam-se gabinetes de curiosidades como o “Museo instructissimo” de Jacobo Plateau, em Tournai, com tatus e colibris e a coleção do Duque de Arenberg, especializada em armas e plumas dos índios.

Artistas como Hans Bol, Philippe Galle e Jan van der Straeten deram asas à suas imaginações, incluindo em seus quadros imagens do que seriam estas “terras distantes” e o naturalista Carolus Clusius inseriu, em 1605, o que ele chamou de “novidades brasileiras” em sua síntese enciclopédica zoológica e botânica chamada Exoticorum libri decem.

Jean de Léry (La Margelle/França, 1536 – L’Isle/Suisse, 1613), grande navegador e escritor francês publicou, em 1578 o livro “Histoire d’un voyage fait en la terre du Brésil, autrement dite Amérique.

Mesmo proibido pela censura, o livro teve larga difusão européia, recebendo mesmo uma tradução para o neerlandês em 1597.

Sucesso indiscutível, este primeiro livro sobre o Brasil teve 5 reedições, todas antes da morte de seu autor, o que representa um fato excepcional para a época.
Entrou em bibliotecas privadas dos Países Baixos meridionais e foi até mencionado, no início do século XVII, como livro escolar.

Rouge Brésil, Jean-Christophe Rufin

Neste livro, Léry conta sua própria experiência do período em que esteve no Brasil, primeiro com os franceses de Villegagnon, na chamada “França Antártica” e posteriormente, expulso com outros protestantes do Forte Coligny, junto aos índios Tupinambás.

Este relato foi o inspirador de um excelente livro (prix Goncourt 2011) escrito por Jean-Christophe Rufin, “Rouge Brésil”, traduzido como “Brasil Vermelho”.

Com a Contrarreforma triunfante nos Países Baixos meridionais, este “primeiro Brasil” deixou de representar um desafio cultural e foi reduzido à algumas interrogações e à meros estereótipos alegóricos.

Confinaram os índios numa “ciranda de plumas” e cuidaram de domesticar as “araras insolentes” como emblema da fidelidade conjugal.

Ainda assim, alguns dançarinos brasileiros eram vistos nas ruas das cidades flamengas durante os cortejos e desfiles, e atraíam milhares de espectadores.

Na entrada triunfal do Arquiduque Ernesto da Áustria em Antuérpia, em 14 de junho de 1594, um cortejo de “brasileiros emplumados” chamou a atenção com suas danças exuberantes.

O livro de homenagem os menciona como “Brazilianen” e a gravura mostra uns 14 andando na frente, ao lado de etíopes sobre camelos e precedendo seu rei em cadeirinha.

Os brasileiros somente trajam tangas e dançam fazendo muitos movimentos com seus braços, tocando música ou levantando espelhinhos para o rei etíope.

Estes brasileiros, gingando alegremente, se tornaram, por volta de 1600, em pleno período barroco, uma presença muito solicitada em várias festividades.

Em Bruxelas, em 31 de maio de 1615, participaram num carro alegórico do Ommegang (desfile tradicional nas principais cidades flamengas), em homenagem à Arquiduquesa Isabela, com um maior requinte indumentário.

O triunfo da Arquiduquesa Isabella no Omganck de Bruxelas
Detalhe do quadro “O triunfo da Arquiduquesa Isabella no Omganck de Bruxelas” Museu do Prado

A pintura por Denijs van Alsloot (antes de 1593-1626) mostra “quatro índios porta-estandartes ataviados com uma túnica curta de plumas de diferentes cores e de uma deslumbrante manta de plumas vermelhas, que desce da coifa e cobre suas costas e pernas por inteiro.

Seus estandartes com o monograma IHS, da ordem jesuítica, parecem simbolizar a expansão da religião cristã entre os índios americanos.
Na parte traseira do carro vê-se sentado um soberano branco, segurando um cetro, que se deixa abanar por um menino africano com um para-sol de plumas avermelhadas.

No meio, uma grande gaiola prende um jovem índio pagão debaixo de um bando de papagaios e araras.
Estes reaparecem em abundância na decoração do pano, que cobre a carroçaria”.

Aos jesuítas dos Países Baixos meridionais, que tinham frequentes relações com o Brasil – visto como terra de missão e de índios a vestir – convinha uma imagem intermediária, nem escandalosamente nu, nem adornada demais.

Em 1640, festejando o centenário da ordem, os jovens da retórica em Bruges representaram, no seu teatro escolar, temas brasileiros como a figura de José de Anchieta.

Na sua grande igreja de Francisco Xavério, construída em Malines nos anos de 1670, o arquiteto jesuíta integrou, com exuberância, índios no programa iconográfico do interior.

O banco de comunhão é decorado com emblemas de índios com cocares.

Mostra ainda um missionário, que carrega nas costas um menino índio.
Como um dos representantes dos quatro continentes, um índio, de forte bigode e braços musculosos com pulseiras emplumadas, sustenta o púlpito.

Numa série de pinturas sobre a vida de Francisco Xavério se encontram também índios com cocares reconhecíveis entre a multidão extasiada pelo santo.

Esta propaganda em Malines para estimular as missões ao Brasil também é tributária do belo livro que o jesuíta antuerpiense Cornelius Hazart tinha publicado “Kerckelycke Historie vande gheheele werelt” (“A história eclesiástica do mundo inteiro”).

No primeiro dos quatro volumes, publicado em 1668, um capítulo sobre o Brasil trata de José de Anchieta e de três martírios de alguns jesuítas.
Três gravuras ilustram o texto.

Em duas se representam índios perigosos com tangas de plumas, flechas e arco, e na terceira, Anchieta no meio de animais selvagens.
Hazart tinha predicado também sobre estes temas na igreja jesuítica de Antuérpia e não é excluído que, por essa ocasião, se mostraram imagens desses índios selvagens, por exemplo, em grandes telas de pano.
Desta maneira o Brasil era visualmente presente, até o final do século XVII, como uma terra onde as fronteiras da civilização podiam ainda avançar.

Assim o pintor Jan van Kessel justapõe no seu painel “América”, da série “Os quatro continentes”, (1666), índias mais claras e homens negros de cocares índios.

America, Jan van Kessel
(wikipedia commons)

Filhos deste fascínio confuso são os dois gigantes tapuias com cocares que se carregam ainda nos cortejos de Dendermonde, os dançarinos índios representando a Ásia na toalha de damasco de Courtrai ou, ainda, o menino índio com arco e flechas no lustre rococó dos Quatro continentes de Frans Allaert (1770), do Museu de Arte Decorativa de Gand.

Interessante constatar como a música, a “alma dançarina” do brasileiro marcou presença desde o início, não é verdade?

Mas… deixemos a continuação da história de nossa presença por estas bandas para os próximos números!
Por ora, capítulo encerrado, entre danças e cocares!
Outras tantas danças certamente virão, ao longo desta aventura…
Beijocas mil e até breve!!!
Para quem se interessar em ler/ assistir o filme dos livros acima citados:

Vermelho Brasil (filme)

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